Neste artigo, explico toda a matemática por detrás dos sites de apostas esportivas, que se tornaram muito populares recentemente: sem esse ferramental teórico, sua estratégia torna-se míope.
Por: Carlos Heitor Campani, professor da ENS, pesquisador, consultor e autor na área de Investimentos, Previdência, Finanças Pessoais e Finanças Corporativas. Publicado na revista Valor Investe.
Olá, pessoal. O artigo de hoje entra no campo da matemática por detrás das apostas esportivas. Pessoalmente, não gosto de apostas, mas como amo matemática e o tema vem se tornando cada vez mais popular, achei por bem explicar todos os detalhes, o que inclui trazer para você um conhecimento relevante (para quem gosta desse tipo de aposta) e aprender como calcular as probabilidades em jogo e o quanto se paga de comissão à casa em cada aposta realizada. E, claro, esse conhecimento ajuda a ter estratégias mais claras e com mais chances de acertos.
Por motivos didáticos, terei como foco uma partida de futebol que aconteceria no próximo final de semana, pela 7ª rodada do Brasileirão 2024 (suspensa pelo triste acontecimento no Rio Grande do Sul): o clássico carioca Vasco x Flamengo. Para tal, chequei um famosíssimo site de apostas esportivas e as odds para este jogo estavam assim:
As odds de uma partida representam o quanto você ganhará para cada real apostado caso a aposta se saia vencedora. Por exemplo, se você apostar R$ 100,00 na vitória do Vasco e isto de fato acontecer, você levará para casa R$ 420, ou seja, um lucro de 320% sobre o que você apostou. Quem apostar no empate, leva para casa R$ 3,60 para cada real apostado, o que resultaria em um ganho de 260%. Por fim, caso o Flamengo vença a partida, a aposta no rubro-negro renderá R$ 1,86 para cada real apostado: um lucro de 86%. Note que o lucro por real apostado é sempre “a odd menos um” porque ao receber o prêmio, precisamos descontar o real apostado. Desta forma, para fixação deste conceito, a tabela acima poderia ser interpretada em termos de lucro por real apostado como: Vasco – R$ 3,20; Empate – R$ 2,60; e Flamengo: R$ 0,86.
Como as odds são calculadas?
A palavra “odds” em inglês poderia ser traduzida como “chances”. Poucos sites por aqui utilizam esta nomenclatura em português porque fica estranho que as chances de um time vencer (ou de qualquer coisa acontecer) venham expressas em moeda (no caso, em reais) e não em porcentagens. Mas, na verdade, esses conceitos estão intimamente ligados, como demonstrarei adiante.
Se, de alguma maneira, eu calculo que a probabilidade de um evento acontecer (como a vitória do meu time de coração) seja p, qual seria o prêmio (ou seja, “a odd”) que deveria ser oferecido(a)? Ou, sob outra perspectiva: dado que a vitória do Flamengo está pagando R$ 1,86 para cada real apostado, qual a probabilidade implícita que a casa de apostas está dando para o Flamengo vencer o clássico?
Bom, para responder a esta pergunta, precisamos começar em um contexto de jogo justo sob o ponto de vista técnico (e não sob o ponto de vista do dicionário, ou seja, “de justiça”). Um jogo é tecnicamente dito justo quando a sua expectativa de ganho é zero, ou seja, quando temos chances de ganhar e de perder com probabilidades equilibradas, isto é: se jogarmos repetidamente, a Lei dos Grandes Números tenderá a igualar nossos ganhos às nossas perdas de modo que, em média, tenderemos a nada ganhar ou perder. Claro que uma casa de apostas precisa ter receitas e cobra por cada aposta realizada, mas para desenvolver a teoria, preciso começar imaginando que o jogo seja de expectativa zero (tal como em um jogo de pôquer entre amigos).
Por exemplo, ao lançar uma moeda honesta, quais seriam as odds justas para os dois resultados possíveis? Ora, cara pagaria R$ 2,00 por real apostado e coroa também (é como se você apostasse R$ 1,00 no resultado cara e seu oponente, R$ 1,00 na coroa: quem vencer, leva os R$ 2,00). Note que, em qualquer caso, a sua expectativa seria nula porque você teria 50% de lucrar um real e 50% de perder um real. Vamos então agora passar para o problema genérico, a saber:
Qual a relação entre a probabilidade e a odd de um evento qualquer?
Para responder a esta questão, iremos definir p como a probabilidade de ganho na aposta (ou seja, de ocorrência do evento escolhido, seja ele qual for) e b, sua odd, ou seja, o montante possivelmente a receber por cada um real apostado (que será o seu prejuízo em caso de perda, cuja probabilidade é, portanto, 1 – p). O ponto de partida é garantir que a expectativa de ganhos seja nula (e perceba que o ganho potencial é b – 1, enquanto a perda é o R$ 1,00 apostado):
Percebam o quão simples é a relação entre a probabilidade de ocorrência de um evento e a odd que esse evento deve pagar: um é o inverso do outro! Assim, quanto maior a probabilidade de algo acontecer, menor será a odd paga (e vice-versa). No limite, quando um evento chega a 100% de chances de ocorrência (imagine seu time ganhando por 5×0 aos 49 do segundo tempo), p = 1 e, portanto, b = 1. Neste cenário, ninguém apostará um real para levar o mesmo real apostado, não é verdade? Isso mostra a robustez da relação encontrada entre p e b, levando à conclusão óbvia de que só faz sentido apostar quando há incertezas.
Como a comissão da casa de apostas pode ser calculada?
Bom, agora podemos avançar para o caso real das casas de apostas, que precisam pagar os seus custos e rentabilizar o negócio (além de bancar os patrocínios milionários aos clubes, bem como o intenso marketing nas redes sociais e veículos de comunicação). Como premissa bastante realista, podemos imaginar que o apostador vencedor levará para casa, na verdade, apenas uma parte da odd calculada acima. Em outras palavras, a casa de apostas leva uma comissão percentual sobre o valor teórico calculado acima (tal como usualmente um corretor de imóveis ganha 5% do valor da venda e o vendedor fica com 95%, ou seja, 1 – 0,05). Definindo essa comissão que fica com a casa de apostas como c, teríamos que a odd a ser efetivamente paga pela casa de apostas (breal) é, em função da odd teórica b, dada conforme a equação abaixo (e observe o desenvolvimento algébrico a seguir, importante para passos seguintes neste artigo):
Tomando o exemplo das odds do clássico carioca e usando o fato de que a soma das probabilidades de vitórias de cada um dos times e de empate devem somar 100%, podemos escrever a equação a seguir:
A equação acima pode ser facilmente aplicada para se encontrar o valor da comissão c cobrada pela casa de apostas para o caso em tela:
E agora, podemos calcular quais as probabilidades implícitas nas odds oferecidas pela casa de apostas para cada um dos resultados possíveis no clássico carioca. Basta utilizar as equações anteriormente demonstradas:
Como o cálculo das probabilidades ajuda a ter estratégias melhores?
Muitos que gostam de montar estratégias de apostas esportivas acabam olhando as odds para tomar suas decisões, mas essa informação é opaca e pode levar a erros de julgamento. Olhar as probabilidades (em vez das odds) dá origem a estratégias mais robustas e bem definidas. Isso porque podemos comparar com o histórico e/ou criar o nosso próprio modelo de probabilidades, comparando-o com o “mercado” (nesse caso, a casa de apostas). Se eu acreditar que a probabilidade de um time vencer um determinado jogo é significativamente maior do que aquela indicada pelas odds (conforme cálculo acima), eu posso querer realizar aquela aposta. Perceba que isso dá origem a uma estratégia interessante: claro que nem sempre eu acertarei, mas se o meu modelo de probabilidades for melhor do que o da casa de apostas, serei um apostador mais vencedor do que perdedor ao longo do tempo (isto é, com a repetição da estratégia em diversas apostas).
Como seria a estratégia que sempre acerta?
Gostaria, neste momento, de fazer um exercício didático. Imagine que alguém queira garantir que acertará o resultado e levará para casa um montante predefinido qualquer. Sem perda de generalidade, podemos imaginar como base a quantia simbólica de R$ 1,00. Como essa pessoa faria? Dado que há três resultados possíveis, ela teria de apostar em todos eles, de modo que recebesse sempre R$ 1,00. Ora, uma regra de três simples indica que a quantia apostada deve ser, neste caso, sempre o inverso da odd. Veja o caso do nosso exemplo Vasco x Flamengo:
Quantia apostada
Odds Reais | Quantia Apostada | Explicação | |
Vasco | 4,20 | 1 / 4.20 = R$ 0,24 | Se ganhar, levo R$ 0,24 x 4,20 = R$ 1,00 |
Empate | 3,60 | 1 / 3.60 = R$ 0,28 | Se ganhar, levo R$ 0,28 x 3,60 = R$ 1,00 |
Flamengo | 1,86 | 1 / 1.86 = R$ 0,54 | Se ganhar, levo R$ 0,54 x 1,86 = R$ 1,00 |
Repare que a quantia total apostada seria R$ 0,24 + R$ 0,28 + R$ 0,54 = R$ 1,054 (com a terceira decimal incluída para fins de precisão). Em outras palavras, a estratégia não valeria a pena porque você gastaria R$ 1,054 para ter de volta apenas R$ 1,00. Em outras palavras, a estratégia que sempre acerta te levaria a uma perda certa. Elementar, meu caro Watson!
Note que, fosse o jogo justo e entre amigos, essa soma seria exatamente R$ 1,00 (fica como exercício mostrar isso em nosso exemplo, bastando utilizar na tabela acima as odds teóricas, ou seja, os inversos das probabilidades). Note também que a comissão de 5,08% sobre o valor de R$ 1,054 resulta em R$ 0,054, a exata diferença entre R$ 1,054 e R$ 1,00 (mesmo considerando quantas casas decimais se desejar). Portanto, a comissão cobrada na aposta explica de forma precisa o porquê de você não ter todo o dinheiro de volta mesmo na estratégia 100% protegida. Esse resultado pode ser facilmente demonstrado matematicamente, o que deixarei em aberto para os mais ávidos e apaixonados por matemática.
Outro ponto interessante no contexto de apostas esportivas é se perguntar o que o Critério de Kelly indicaria. Lembro que meu último artigo aqui na coluna foi exatamente sobre o Critério de Kelly, que foi devidamente explicado e contextualizado. Se você não leu, sugiro ler (clique aqui) para ter a perfeita compreensão do que falarei a seguir. Bom, o Critério de Kelly diria para apostarmos a seguinte fração do dinheiro que temos disponível para apostar no nosso time de coração (onde p é a probabilidade e b, a odd):
Fosse o jogo justo e b igual ao inverso de p, a fórmula acima resultaria exatamente em F = 0, ou seja, Kelly te diria simplesmente para não apostar. E isso faz sentido, como aliás até comentei no artigo anterior: se o jogo é justo, a expectativa de ganho é nula e, portanto, não faz sentido fazer apostas para, em média, nada ganhar (e apenas perder tempo). No caso de casas de apostas, que cobram comissões implícitas nas odds reduzidas, a coisa fica ainda pior e não deveríamos apostar de jeito algum: faça as contas com a fórmula acima e os valores encontrados para o nosso clássico carioca para perceber que em qualquer das 3 apostas possíveis, F resultará em um valor negativo, ou seja, te impelindo da aposta.
Mas por que então muitas pessoas apostam em casas de apostas esportivas?
Bom, essa resposta não é simples. Há razões comportamentais para se fazer apostas, mas aqui quero abordar a única motivação racional para se fazer apostas esportivas: quando você enxerga maior probabilidade em algum evento em comparação à probabilidade indicada pela odd definida pela casa de aposta. Por exemplo, se você tem convicção (digamos, “quase certeza”) de que o Flamengo vencerá o Vasco (vamos assumir 90% de probabilidade em sua opinião), faz sentido para você apostar no Flamengo – e, nesse caso, Kelly indicaria uma aposta de 78,4% do montante:
Perceba que isto dialoga perfeitamente com a estratégia que compartilhei acima: decisões de apostas esportivas (ou, de apostas em geral) devem ser tomadas porque acreditamos que nossas chances sejam maiores do que as implícitas pela casa de apostas. Como falei antes, se o meu modelo probabilístico for melhor do que o da casa de apostas, vencerei mais do que perderei e, com isso, tenderei a lucrar com as minhas apostas. Qualquer outra estratégia desconectada a essa comparação de probabilidades levará a imensa maioria dos apostadores a perder dinheiro e os poucos sortudos que ganharem, tenderão a perder o que ganharam se continuarem a apostar. Isso se explica pela expectativa negativa de ganho por conta da comissão cobrada pela casa de apostas. Concordam?
Espero que tenham gostado. Confesso jamais ter visto nada nesse sentido, com este detalhamento matemático e o cálculo explícito da relação entre odds e probabilidades, muito menos da comissão implícita que a casa de apostas leva. Por isso, escrevi este texto com enorme carinho: ficou longo porque quis fazer algo bem completo. A propósito, este artigo não quer, de maneira alguma, incitar você a fazer apostas esportivas, mas apenas trazer conhecimento para aqueles que gostam do tema (como eu) e/ou para aqueles que já fazem suas apostas (que não é o meu caso).
Se você tiver qualquer dúvida ou pergunta, te convido a me seguir no Instagram @carlosheitorcampani e no LinkedIn para conversar comigo nessas redes, seja através dos meus posts ou mesmo no privado. Deixo um forte e respeitoso abraço a cada um de vocês.
Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, professor e pesquisador da Escola de Negócios e Seguros (ENS), diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e sócio da CHC Treinamento e Consultoria.