Sob determinadas condições, instrumentos prefixados e até o Tesouro Selic podem ter oscilações negativas
Por: Carlos Heitor Campani, professor, pesquisador, consultor e autor na área de Investimentos, Previdência, Finanças Pessoais e Finanças Corporativas. Publicado na revista Valor Investe.
Olá, pessoal! Nossa conversa de hoje nasceu da sugestão de muitos leitores através das minhas redes sociais (@carlosheitorcampani). Hoje, quero explicar de maneira muito clara por que um título de renda fixa pode cair de preço se ele é de “RENDA FIXA”. Também explicarei por que o título considerado mais seguro em nosso país, o Tesouro SELIC, pode fechar dias ou até um ou outro mês com rentabilidades negativas (isso, por exemplo, aconteceu durante o ápice da pandemia).
Na verdade, a expressão “renda fixa” é forte demais, não sendo precisa. A renda, na maioria absoluta das vezes, não é fixa. Para efeito de clareza, ilustrarei todos os conceitos usando como exemplo os títulos do Tesouro Direto. Lá, encontramos os três tipos de títulos possíveis com relação ao mecanismo de determinação do seu fluxo de caixa futuro: prefixados, pós-fixados e híbridos (atrelados ao IPCA). Os conceitos que tratarei aqui são absolutamente os mesmos do âmbito de títulos privados, ou seja, títulos emitidos por empresas.
Explico abaixo os três tipos de títulos quanto ao mecanismo de cálculo do fluxo de caixa futuro:
- Títulos prefixados: o fluxo de caixa futuro é completamente conhecido hoje (como, por exemplo, no caso do Tesouro Prefixado);
- Títulos pós-fixados: o fluxo de caixa futuro dependerá de algum índice variável, como por exemplo a taxa SELIC (no caso do Tesouro Selic), que só conheceremos com o passar do tempo; e
- Títulos híbridos: o fluxo de caixa futuro é inicialmente fixado hoje, com uma taxa de juros já conhecida, mas este fluxo será impactado ainda por um índice pós-fixado, como por exemplo o IPCA no caso do Tesouro IPCA.
Para ilustrar os conceitos, nada melhor do que iniciar com o título do Tesouro Direto mais simples de todos: a LTN (Letra do Tesouro Nacional), também conhecido como Tesouro Prefixado 20XX (XX representa o ano de vencimento do título). Este tem um fluxo de caixa simples e totalmente conhecido: o investidor o compra hoje pelo seu preço unitário de mercado e, no vencimento, recebe exatos R$ 1.000,00 (faça chuva ou faça Sol).
Neste momento, é fundamental que o investidor entenda os tipos de risco aos quais ele estará exposto ao investir no título acima. São eles: risco de crédito, risco de iliquidez e risco de mercado. Vou explicar e analisar cada um deles a seguir.
O risco de crédito consiste no risco do emissor (no caso de títulos do Tesouro Direto, o Governo Brasileiro) não honrar a sua parte no acordo e, portanto, não pagar os R$ 1.000,00 prometidos lá no vencimento. No caso do Tesouro Direto, esse risco é mínimo e realmente muitíssimo pequeno quando comparado ao mesmo risco quando o emissor é uma empresa qualquer. Não posso afirmar que este risco é zero, mas posso sim dizer que se o Governo Brasileiro der o calote e não honrar esse pagamento, isso seria o pior cenário possível e representaria o caos para a nossa sociedade. Importante salientar que isso jamais ocorreu e, sinceramente, não espero que isso ocorra de forma alguma. Logo, minha convicção é de que esse risco é extremamente baixo e não me preocupa.
O risco de iliquidez representa a possibilidade de você não conseguir vender o título antes de seu vencimento (caso haja essa necessidade) pelo seu preço considerado justo por falta de compradores. E aí você se vê obrigado a vendê-lo com deságio, ou seja, por um preço abaixo do que seria considerado justo. É o que acontece, normalmente, quando queremos vender o nosso carro, por exemplo.
No caso de títulos do Tesouro Direto, esse risco é novamente baixíssimo, pois quem recompra todos os títulos por lá é justamente o Governo Brasileiro, que assume a obrigação de sempre recomprá-los a preços de mercado. Considero este risco no mesmo nível do risco de crédito (ou seja, desprezível). Novamente não posso afirmar 100% que ele não exista, mas o cenário de quebra de compromisso do Governo seria muito ruim para o nosso país. Por outro lado, preciso ressaltar que para títulos emitidos por empresas (como, por exemplo, debêntures), o risco de iliquidez é alto. Infelizmente esse mercado ainda é bastante ilíquido no Brasil e, em muitas ocasiões, o investidor só consegue vender o título privado por um preço com forte deságio.
Deixei propositalmente por último o risco de mercado, por este ser indubitavelmente o mais relevante (pelo menos no caso do Tesouro Direto). Este risco se dá de duas formas possíveis:
- Se você ficar com o título até o vencimento, pode ser que os R$ 1.000,00 recebidos lá tenham perdido grande parte do seu poder de compra pela inflação (que pode se revelar acima da inflação projetada quando você comprou o título); ou
- Se você vender o título antes do vencimento, pode ser que a taxa de mercado tenha se alterado, correndo o risco de você vender o título por um preço até abaixo do qual você o comprou.
É justamente o risco de mercado que gera a flutuação dos preços dos títulos de renda fixa. Para facilitar, suponha uma LTN a 300 dias úteis do seu vencimento que esteja sendo negociada a uma taxa de juros prefixada de 7% ao ano (252 dias úteis, por convenção). O preço unitário de R$ 922,61 pode assim ser calculado:
Caso o investidor permaneça com o título até o vencimento, receberá R$ 1.000,00 e terá seu investimento rendendo precisamente à taxa de 7% ao ano. Mas se precisar vender antes, estará sujeito à taxa praticada pelo mercado para este título. Suponha que ele o venda 10 dias úteis após a compra (portanto, a 290 dias úteis para o vencimento) e a taxa praticada pelo mercado tenha subido para 8% ao ano. Neste caso, o preço unitário de venda será de apenas R$ 915,24.
Perceba que o investidor teria vendido o título por um preço abaixo do preço de compra e, portanto, teria obtido uma rentabilidade negativa. Isso se dá porque a taxa prefixada subiu. Tenha isso sempre em mente: a relação entre taxa e preço do título é inversa, ou seja, quando a taxa sobe, o preço cai. Mas aqui não podemos esquecer do efeito do tempo em títulos de renda fixa: o preço tende a aumentar naturalmente com o passar do tempo. Com isso, sempre que a taxa subir subitamente, o preço do título cairá. Não obstante, note que com o decorrer do tempo pode ser que o preço do título suba mesmo com a alta da taxa de juros no mercado, mas certamente terá subido menos do que se a taxa tivesse se mantido a mesma ou descido.
Vamos agora falar das NTN-B’s (Notas do Tesouro Nacional – série B) ou, simplesmente, Tesouro IPCA 20XX (XX é novamente o ano de vencimento do título). Esses títulos são ditos híbridos porque oferecem uma taxa prefixada mais uma atualização monetária pela inflação medida pelo IPCA, a qual é pós-fixada, ou seja, só saberemos essa atualização com o passar do tempo. Esse título é mais adequado para o longo prazo, pois é protegido contra a inflação, já que sua rentabilidade acompanhará o IPCA (será tanto maior quanto maior for a inflação medida pelo IPCA).
Entretanto, o Tesouro IPCA também sofre da mesma flutuação de mercado que os títulos prefixados porque possuem parte de sua rentabilidade estabelecida de forma prefixada no ato da compra. O mecanismo é exatamente o mesmo. Claro, pelo fato de apenas parte de sua rentabilidade ser prefixada, a flutuação esperada desses títulos é um pouco menor que no caso de títulos totalmente prefixados. Da mesma forma, a flutuação é menor para vencimentos próximos e maior para vencimentos longos.
Por último, temos os títulos conhecidos como Tesouro SELIC 20XX. Esses são pós-fixados, pois terão suas rentabilidades atreladas à variação da taxa SELIC. De vez em quando, até esses títulos podem cair um pouco de preço e as pessoas se perguntam como isso pode acontecer se a taxa SELIC jamais é negativa. Como isso pode acontecer? Explico agora!
Na verdade, os títulos Tesouro SELIC são historicamente negociados com um pequeno ágio ou deságio em relação à taxa SELIC, o que acaba passando muitas vezes de forma despercebida pelos investidores. Esse ágio (ou deságio) é conhecido como spread. Por exemplo, nesta última quinta-feira , dia 16, o Tesouro SELIC 2029 estava com um spread prefixado de 0,1680% ao ano.
Se houver uma variação repentina deste spread para cima (como houve, aliás, na pandemia), o memo mecanismo presente em títulos prefixados pode gerar rentabilidades negativas em alguns períodos curtos. Não obstante, o efeito temporal tenderá a se fazer presente com o passar dos dias e retomar retornos positivos para esse título, já que a maior parte da sua rentabilidade é pós-fixada e, claro, positiva (porque a taxa SELIC é positiva!). No médio e longo prazo, ainda considero esses títulos como bastante seguros e uma rentabilidade negativa torna-se absolutamente improvável (para não dizer impossível).
Ficou tudo claro? Espero que sim. Mas caso vocês tenham alguma dúvida, não deixem de comentar abaixo ou entrar em contato em minhas redes sociais @carlosheitorcampani no Instagram e no Linkedln. Aliás, me envie invites e vamos nos conectar por essas redes, tudo bem? Deixo um forte e respeitoso abraço a cada um de vocês.
*Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças, Sócio da CHC Treinamento e Consultoria e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros.