Por: Antonio Penteado Mendonça
Recebi um e-mail enviado pelo leitor Geraldo Azevedo Antunes com o seguinte texto: “Minha dúvida é sobre o imóvel que o ‘homem-bomba de Brasília'” locava. Ele foi destruído pelas explosões após a entrada da polícia. Agora a proprietária vai receber de volta um imóvel bem danificado e terá de arcar com o custo da recuperação e reforma. Pergunto: “existe algum seguro que pode proteger proprietários de imóveis contra riscos como esse de inquilinos que provocam destruição, se matam e não deixam fiador ou herdeiro?”.
É evidente que a análise do tema é teórica. Muito provavelmente o imóvel, por suas características, não tinha seguro. Mas, supondo que se tratasse de um outro imóvel garantido por um seguro patrimonial, qual seria a resposta? Diante dos fatos, a primeira resposta seria que o evento não tem cobertura.
Os atos terroristas são riscos excluídos das apólices de seguros brasileiras. O que aconteceu no imóvel foi a explosão de uma armadilha deixada pelo terrorista, composta de uma bomba colocada dentro de uma gaveta, que foi acionada quando esta foi aberta.
Mas será que isso é tudo? Uma apólice de seguro é um documento complexo, com cláusulas impositivas, que precisam ser lidas em conjunto e não separadamente, como seria o caso de se ater apenas à exclusão de atos terroristas.
Da mesma forma que o seguro patrimonial exclui da cobertura atos terroristas, ele diz que os atos dolosos, exceto se praticados pelo segurado ou seu preposto, estão cobertos. Aqui começam algumas questões relevantes para se chegar a uma posição.
A cláusula de exclusão de atos terroristas é uma condição geral, aplicável a todas as apólices brasileiras. Já a cobertura para atos dolosos praticados sem a participação do segurado é específica da garantia de incêndio. Será que aqui se aplicaria a regra de que o específico se sobrepõe ao geral? Mais que isso, na apólice as duas disposições fazem parte das condições gerais do seguro. Seria possível dizer que a cobertura para atos dolosos praticados por terceiros é uma condição mais especial do que a exclusão para atos terroristas e por isso prevaleceria na regulação do sinistro?
Mas o assunto não se esgota aí. O imóvel não foi danificado por um ato direto praticado por um terrorista e, sim, pelas consequências da neutralização da bomba deixada dentro da gaveta. E quem fez isso foram os policiais. Seria possível incluir a explosão decorrente dessa ação num conceito amplo de ato de terrorismo ou ela seria a consequência de um outro ato, praticado pelos especialistas, sem participação direta do terrorista, para neutralizar a bomba? E há ainda uma terceira opção. O ato praticado pelos policiais não foi doloso. Então, estaria coberto?
A discussão comporta aproximações e conclusões completamente diferentes. Num caso, o sinistro seria negado com base na exclusão de ato terrorista; no outro, a indenização seria paga, com base na cobertura do dano decorrente de ato doloso praticado por terceiro ou ainda por ser uma ação legal. Complicado! Mas tudo que é novo vale a reflexão. Obrigado ao leitor por levantar a bola.
Antonio Penteado Mendonça é escritor, advogado sócio da Penteado Mendonça e Char, formado pela USP, com especialização em Direito Ambiental pelo DSE, na Alemanha, e em Seguros pela FGV-Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Também é professor, palestrante, escritor e ex-presidente da Academia Paulista de Letras.
Fonte: Estadão