O que as médias aritmética e geométrica têm a ver com seus investimentos?

Por: Carlos Heitor Campani, pesquisador da Escola de Negócios e Seguros (ENS), PhD em finanças, professor do Coppead/UFRJ, pesquisador da Cátedra Brasilprev em Previdência, diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças, Sócio da CHC Treinamento e Consultoria, e consultor e autor na área de Investimentos, Previdência, Finanças Pessoais e Finanças Corporativas
Estamos em um churrasquinho bacana de final de semana e aí eu venho e te ofereço um jogo de investimento que depende do lançamento de uma moeda. Se der cara, você ganha 50% do que investiu; se der coroa, você perde 40%. A figura abaixo ajuda a entender esse jogo com um investimento de R$ 100,00 (entre parênteses, as chances de cada resultado acontecer):

Qual a decisão correta: aceitar ou não? A resposta é simples: não há decisão correta, pois ela dependerá do nível de aversão a risco do investidor. Apesar do jogo possuir uma expectativa positiva de ganho de 5% (50% x R$150,00 + 50% x R$60,00 = R$ 105,00), essa expectativa vem com boa dose de risco: a chance de perder 40% pode sim justificar a decisão por não jogar. Mas e se você pudesse jogar repetidas (e muitas) vezes, sem limite: você jogaria? Pense a respeito (pausa para pensar).
Ao contrário de antes, agora a resposta correta é SIM, independentemente do seu nível de aversão a risco. Isso porque agora, no limite, não há mais risco. Quanto mais vezes você jogar, mais significado (e relevância) tem o fato de a expectativa de ganho neste jogo ser positiva. Pela lei matemática dos grandes números, na medida em que jogamos mais e mais vezes o jogo acima, a expectativa de ganhar 5% fica cada vez mais segura (e, portanto, com menos risco). Por exemplo, se você pudesse jogar a moeda uma vez por minuto durante oito horas, dificilmente perderia dinheiro ao fim desse dia. Se pudesse fazer isso ao longo de uma semana inteira, a chance de ganhar dinheiro seria praticamente 100%. E se ainda pudesse viver disso, seria muito seguro afirmar que você faria, em média, R$ 5,00 a cada lançamento da moeda, perfazendo um “salário” anual muito próximo de R$ 604.800,00 (jogando a moeda uma vez por minuto, durante oito horas por dia e ao longo dos 252 dias úteis ao ano) – nada mal!
Agora imagine que você possa iniciar com R$ 100,00 e deixar o dinheiro rendendo pelo ano todo, de forma que sua riqueza fosse evoluindo a cada minuto e de acordo com o jogo acima (supondo que a moeda seja lançada uma vez por minuto e todo seu montante obtido até ali seja apostado). Teria alguma razão para você mudar sua decisão e não mais jogar esse jogo?
Pausa para pensar…
A resposta natural que muitos dariam aqui seria um “evidente SIM”, porque dado que o jogo anterior é bom, deixar o dinheiro todo investido desta forma soa algo ainda melhor. Mas, de maneira totalmente contraintuitiva, não é! Eu não aconselho ninguém a jogar este segundo jogo. O que direi agora é forte e, muito provavelmente, você não irá acreditar inicialmente: ao final de um único dia (ou seja, após lançar a moeda por 60 x 8 = 480 vezes), há mais de 95% de chances de você estar completamente falido, com menos de um mísero real. Se seguir “investindo” por um ano, você irá falir com 99,9% de certeza. Incrível, ou seja, não crível, inacreditável…
Mas o que mudou no jogo? Um único detalhe mudou: agora você não está sempre jogando com um investimento igual de R$ 100,00. Se a primeira moeda der cara, a segunda aposta será com R$ 150,00; se der coroa, a segunda aposta será com R$ 60,00. Acredite: isso faz toda a diferença!
No jogo anterior, como você sempre apostava a mesma quantia, a média aritmética era a média relevante, de modo que o cálculo anterior funcionava (50% x R$ 150,00 + 50% x R$ 60,00 = R$ 105,00 – R$ 100,00 = R$ 5,00 de lucro médio por rodada). Mas agora, dado que você aposta R$100,00 apenas no início, sua riqueza evolui geometricamente, justificando o uso da média geométrica! Em outras palavras, para o valor esperado ser corretamente calculado neste caso, ele deve se basear na média geométrica: raiz quadrada de 1,5 vezes 0,6, que é aproximadamente igual a 0,95, o que induz um retorno esperado de -5% para cada lançamento da moeda, ou seja, negativo (perda de aproximadamente 5% por rodada em média). Com isso, ao final de um mísero dia, tendo lançado a moeda 60 x 8 = 480 vezes, sua expectativa seria de terminar o dia com menos que R$ 0,01. Veja como, de maneira sutil, o jogo virou!
Matematicamente, o efeito é simples de explicar. No jogo anterior, a cada novo lançamento da moeda, você poderia sempre ganhar R$ 50,00 ou perder R$ 40,00. Na média, isso resultaria em um ganho de R$10,00 a cada duas rodadas pois a cada R$ 50,00 que você ganha, poderia deixar de lado R$ 40,00 (provisão para próxima perda), ficando com R$ 10,00 de lucro – essa estratégia, ao longo de um tempo suficientemente longo, daria certo. Mas neste último jogo, em média, você ganhará e perderá (em qualquer ordem), mas perderá mais do que ganhará. Vejamos: iniciando com R$ 100,00, ao ganhar, você pula para R$ 150,00 e se agora perder, você reduz seu patrimônio investido para R$90,00 – portanto menos do que os R$ 100,00 iniciais. E isso independe da ordem, pois se começar perdendo, reduz para R$ 60,00 e, ao ganhar 50%, pula para os mesmos R$90,00. Em outras palavras, você estará fadado a perder dinheiro neste jogo caso queira jogá-lo por diversas vezes. A lei dos grandes números é implacável! E a média geométrica, neste caso, também.
E por que o exemplo acima é importante para o mundo de investimentos? Porque as expectativas de retorno são fundamentais em, ao menos, duas situações: para estimar a evolução patrimonial do investidor e para usar como dados de entrada em muitos modelos de gestão de carteiras. Na maioria das vezes, a expectativa de retorno é calculada ou baseada na média aritmética histórica, o que pode ser tão inconsistente quanto seu uso no segundo jogo acima. Observe que ambas as médias, aritmética e geométrica, são matematicamente corretas e consistentes com suas formulações, mas a depender dos objetivos, apenas uma delas conduzirá ao valor esperado correto. Pense: se os dois jogos de investimento acima forem interpretados como uma metáfora da realidade, qual seria a melhor representação do mundo real? Creio que o segundo, onde a riqueza evolui ao longo do tempo sem mantermos “nossas apostas constantes”, concorda?
Utilizar a clássica média aritmética histórica para descrever o passado de acumulação do patrimônio ou mesmo para estimar evoluções patrimoniais futuras pode se mostrar extremamente inconsistente. Via de regra, a média geométrica histórica (passado) ou a expectativa geométrica (futura) de retorno é a medida correta, em que pese, infelizmente, eu já ter visto muitos investidores e casas de investimento fazendo contas com médias e expectativas aritméticas. E o problema é sério, pois a média aritmética sempre apresentará um retorno histórico e uma evolução patrimonial (artificialmente) superestimada, pois pode ser demonstrado matematicamente que ela jamais será menor ou sequer igual à média geométrica de retornos estocásticos.
Adicionalmente, em modelos de gestão de carteiras, devemos ter muito cuidado quando precisamos definir a expectativa de retorno de uma ação ou de um ativo em geral. Fazendo um paralelo com o exemplo do segundo jogo de investimento acima, no qual a decisão pela média aritmética levaria o investidor à falência, utilizar a média aritmética de retornos passados como expectativa de retorno futuro pode levar o investidor a escolher ativos que tendem a reduzir sua riqueza ao invés de aumentar. Parece um paradoxo, mas não é, como mostrei acima.
Moral da história: devo utilizar a média aritmética ou a média geométrica? Depende do seu objetivo ao calcular a média, ou seja, depende do que você quer verdadeiramente estimar com aquela medida média. Pense e reflita para chegar à resposta correta. Para calcular a média de gols do Messi por jogo, a média aritmética se faz precisa (porque os gols são somados, jamais multiplicados). Entretanto, em muitas situações cotidianas do mundo de investimentos, a medida correta será a média geométrica (porque fatores de rentabilidade são multiplicados, jamais somados).
Neste texto, procurei chamar a sua atenção para um ponto importante, porém raramente discutido no mercado: concorda? Comente abaixo! E aproveite para se conectar a mim no Instagram, no LinkedIn, no Youtube e no Spotify: @carlosheitorcampani. Meu objetivo é compartilhar conteúdo relevante para você investir cada vez melhor.