Por: Antonio Penteado Mendonça – Colunista no jornal O Estado de São Paulo, sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e secretário-geral da Academia Paulista de Letras
Durante décadas, o DPVAT (seguro obrigatório para acidentes de veículos) funcionou bem, atendendo as demandas da sociedade brasileira com o incrível número de perto de 400 mil indenizações pagas por ano. Como se não bastasse, chegou a contribuir com mais de 3 bilhões de reais anuais para os cofres do SUS. Se pensarmos que, à época, o orçamento da saúde não chegava a 150 bilhões de reais, veremos que o seguro injetava mais de 2% do total na conta. Pode parecer pouco, mas seria suficiente para bancar 5 hospitais do tamanho da Santa Casa de São Paulo durante um ano.
Um belo dia, a SUSEP (Superintendência de Seguros Privado), por razões até hoje desconhecidas, ou mal explicadas, decidiu acabar com o DPVAT e foi o que ela fez. Além de acabar com a gestão da Seguradora Líder, que era a encarregada da administração do DPVAT, ainda por cima tungou mais de 4 bilhões de reais das reservas técnicas da seguradora. Dinheiro cem por cento privado, sem um único centavo do Estado. Mesmo assim, a SUSEP tomou as reservas e as entregou arbitrariamente, sem concorrência, para a Caixa (um banco público), com elas, fazer frente às indenizações dos seguros que passavam a ser geridos pelo banco.
Os absurdos relatados até aqui, terminando com o fato da Caixa não ser seguradora, portanto, não poder pagar indenizações, são suficientes para dar uma ideia do que o governo passado fez com um seguro que pagava 400 mil indenizações sociais por ano, entre elas, quase 40 mil mortes. Importante ressaltar que essas indenizações atendiam majoritariamente as camadas menos favorecidas da população.
Daí pra frente, mudou o governo, mas não mudou o tratamento dado ao seguro obrigatório de veículos, que, na prática, simplesmente acabou. Depois de muito faz que vai, mas não vai, o governo sacou da manga um projeto de seguro obrigatório absolutamente inadequado às necessidades brasileiras, tanto faz o aspecto que se tome.
O projeto, como está, não vai resolver o problema e será um enorme retrocesso numa história que serve de exemplo para o mundo, começada na década de 1960, quando o Brasil lançou o seu primeiro seguro obrigatório de veículos e que seguiu em frente, de forma vitoriosa, após a entrada em vigor do DPVAT, em meados de 1970.
Seguro é coisa séria e um seguro social como o seguro para vítimas de acidentes de trânsito tem um papel importantíssimo em todas as sociedades, tanto faz seu grau de desenvolvimento, em função do alto número de eventos que anualmente vitimam milhares de pessoas.
Quem sabe fazer seguro são as seguradoras. E um seguro para vítimas de acidentes de trânsito não é um assunto desconhecido para elas. São mais de 60 anos de experiência e aprendizado constantes. Em primeiro lugar, não escutá-las sobre o assunto é um erro grave. Em segundo lugar, não dar a elas a gestão do novo seguro obrigatório é um erro mais grave ainda.
O assunto ainda está em aberto, mas o governo não pode ideologizar a discussão. Não é um seguro estatizado que vai resolver o problema, até porque o governo não tem uma rede para assumir a regulação e o pagamento das indenizações.