Artigo: Startups e empreendedores de impacto

Compartilho levantamento feito em estudo sobre empreendedores de impacto

Por: Carlos Heitor Campani, pesquisador da Escola de Negócios e Seguros (ENS), PhD em finanças, professor do Coppead/UFRJ, pesquisador da Cátedra Brasilprev em Previdência, consultor e autor na área de Investimentos, Previdência, Finanças Pessoais e Finanças Corporativas

Minha coluna de hoje reflete os principais resultados de um trabalho que culminou em um White Paper do Instituto Guayí Ventures coescrito por mim, pela Tatiana Botelho (Diretora do Instituto Guayí Ventures) e pelo Matheus Lopes Pereira (Diretor da Investsmart). Para quem se interessar, o artigo completo está disponível no site do Instituto Guayí Ventures.

Da crise climática à destruição dos ecossistemas naturais, o mundo enfrenta um conjunto sem precedentes de desafios interconectados. Uma nova geração de empreendedores, focada em desenvolver soluções com impactos positivos, está usando sua energia criativa para resolver importantes desafios, sejam da humanidade ou de suas comunidades.

De plásticos feitos de polímeros de algas, fungos que protegem a produção agrícola à bioeconomia que promove a conservação das florestas, empreendedores mostram interesse genuíno de melhorar a situação social e o ecossistema ao seu redor. A jornada deste empreendedor é mais complexa, tendo sempre que equilibrar objetivos que se desalinham frequentemente.

O ecossistema de startups vem crescendo no Brasil e no mundo, angariando bilhões de dólares em investimentos. Nas últimas décadas vêm se desenvolvendo vários modelos e métodos para auxiliar a criação de negócios e crescimento de startups. Grandes investidores começaram a entender que podem e devem contribuir para serem parte da solução dos grandes problemas da humanidade. As startups de impacto podem ser um caminho para inovação, trazendo escala para solucionar as principais questões que afligem nossa sociedade e planeta.

Elaboramos um estudo para apoiar o processo decisório do empreendedor de impacto, potencializando seu alcance e seus resultados, tanto financeiros quanto socioambientais. A pesquisa iniciou com duas grandes perguntas:

  • Como modelos e metodologias de criação e desenvolvimento de startups abordam impactos socioambientais?

2. O processo de desenvolvimento de uma startup de impacto é diferente do processo de uma startup tradicional?

Na primeira questão fomos capazes de perceber que os modelos tradicionais raramente abordam as premissas socioambientais sobre as quais as startups elaboram seus produtos e serviços, não oferecendo, portanto, ferramentas para testar os impactos dos mesmos na sociedade e no meio ambiente. O Modelo C traz uma abordagem interessante ao introduzir a teoria da mudança dentro do Modelo de Negócio do Canvas, mas se limita a alcançar empreendedores que já tenham uma pré-disposição a gerar impactos positivos.

Faltam ferramentas para tratar das questões socioambientais de startups disruptivas. Modelos precisam ser desenvolvidos para testar as premissas e impactos em todas as etapas da jornada empreendedora porque toda empresa, em rigor, gera impacto social e ambiental. Impactos não intencionais precisam ser identificados em um estágio antecipado para que possam ser corrigidos (se negativos) ou aprimorados (se positivos).

As ferramentas ESG de empresas maduras são burocráticas e lentas para o mercado de startups, o que, portanto, evidencia a necessidade de desenvolvimento de metodologias especialmente voltadas para esse nicho.

Para entender se o processo de um empreendedor de impacto é diferente de uma startup tradicional, realizamos uma série de entrevistas com empreendedores cujas empresas causaram ou visam causar impacto positivo. Apuramos que o processo é extremamente semelhante, senão igual, para ambos os tipos de empresas até porque os impactos positivos e negativos muitas vezes não são intencionais e o ferramental à disposição do empreendedor para avaliar as questões socioambientais ainda é inadequado. Não existem saltos no processo ou abordagens diferentes.

No final das contas, torna-se fundamental que a empresa defina seu modelo de negócio de maneira clara, buscando entender profundamente seu cliente, e que a equipe empreendedora tenha as habilidades necessárias para desenvolver o negócio além de elaborar o MVP (“minimum viable product”) e todas as outras etapas. Apesar de uma amostragem limitada de startups de impacto que o estudo pesquisou, encontramos algumas boas práticas que podem auxiliar o empreendedor de impacto.

Faz-se mister diferenciar a proposta de valor para o cliente da narrativa de impacto. É importante que o empreendedor entenda que nem sempre o cliente vai valorizar e, portanto, pagar pela narrativa de impacto. O argumento do negócio não pode ser apenas a narrativa, mas sim a solução de um problema para o cliente. Constatamos que os empreendedores que alcançaram maior impacto são aqueles capazes de sair de seus nichos e alcançarem uma variedade de mercados, tais como o Enjoei e a W Pensar.

As condições de contorno operacionais da empresa serão definidas pelo impacto desejado. Alguns empreendedores pontuaram que o crescimento da empresa foi postergado por limitações autoimpostas pela motivação de impacto social ou ambiental, como no caso da Orgânicos In Box, ao focar em produtos com certificado orgânico, e da Belterra Agroflorestas, ao tomar a decisão de trabalhar somente com pequenos e médios agricultores. Por outro lado, essa definição das condições de contorno forneceu clareza sobre o escopo no qual o empreendedor deseja atuar facilitando o processo de tomada de decisão e mantendo o foco.

Outro ponto de destaque que surgiu do estudo é a necessidade de o empreendedor ter clareza quanto ao fator que realmente gera o impacto desejado. O impacto pode ser alcançado de diversas formas tais como modelo de negócio (a logística reversa rastreável da Pólen), produto (o plástico a base de algas da Grisea), marketing (coletor de resíduos gamificado da FloriTech), e público-alvo (trabalho da Bright Cities com os gestores públicos). Quando a empresa enxerga onde e de que forma está o impacto que gera, ela passa a ter muito mais assertividade a respeito das decisões a serem tomadas para potencializar o impacto.

Em nossa pesquisa, dos dez empreendedores de impacto entrevistados, apenas um não havia participado de um programa de aceleração e a maioria afirmou que esses programas foram essenciais para o crescimento da empresa e de si próprio enquanto empreendedor. Um dos benefícios mais citados nos programas de aceleração foi o contato com mentores experientes e que realmente já viveram os desafios que os empreendedores estão passando.

Outro fator muito citado são as redes de contatos que esses programas costumam gerar para o empreendedor. Uma ressalva que apareceu diz respeito à grande importância de os programas possuírem um nicho de atuação e conhecerem a fundo os desafios que o empreendedor daquela etapa ou setor costuma enfrentar.

Acreditamos que investidores de startups podem agregar muito valor ao investir naquelas startups que busquem solucionar problemas sistêmicos que afligem nosso planeta, tendo em vista que elas possuem a capacidade de oferecer agilidade e escalabilidade compatíveis com a urgência e o tamanho das questões a serem enfrentadas.

Aplicar uma perspectiva mais holística ao empreendedorismo pode significar ver o papel de um novo empreendimento em relação às redes de valor, no nível dos impactos sociais, e os papéis que a introdução daquele novo negócio tem em seu ambiente. Essas perspectivas já se tornaram parte das narrativas mais amplas do empreendedorismo social, mas ainda passam ao largo da literatura de empreendedorismo convencional.

Nosso propósito com a pesquisa foi identificar boas práticas que auxiliem o empreendedor de impacto neste desafio que é desenvolver negócios sustentáveis, de forma que ele consiga gerar o retorno esperado pela sociedade e, também, ser viável e próspero financeiramente. Buscamos, portanto, gerar impacto na vida do empreendedor de impacto! Caso seja do seu interesse aprofundar o tema, acesse o trabalho em sua íntegra, disponível gratuitamente no site do Instituto Guayí Ventures.

Um forte e respeitoso abraço a todos vocês.

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