A recompra de ações pode se tornar bem frequente no futuro próximo: entenda!
Por: Carlos Heitor Campani é pesquisador da Escola de Negócios e Seguros (ENS), PhD em finanças, professor do Coppead/UFRJ, pesquisador da Cátedra Brasilprev em Previdência e consultor de empresas e gestoras de Investimentos.
Olá, pessoal!
É muito comum investidores procurarem por empresas que pagam altos dividendos. Os dividendos são a parte do lucro pós-impostos que são distribuídos para o acionista (a outra parte do lucro pode servir para reinvestimentos operacionais e para oportunidades de crescimento, por exemplo). É uma forma de ganho, claro, mas há muitas empresas que não pagam dividendos e geram ganho de capital para seus acionistas através do reinvestimento e consequente crescimento. Para se ter uma ideia, a Apple passou 17 anos sem pagar um centavo de dividendo, mas entregou retornos espetaculares para seus acionistas (em função da valorização de suas ações). Quer mais? Então saiba que Facebook, Amazon e Google (Alphabet) jamais pagaram um dividendo sequer.
Os exemplos acima mostram inequivocadamente que o fato de uma empresa pagar ou não dividendos precisa ser analisado com mais profundidade e o argumento de se formar uma carteira com empresas pagadoras de dividendos, por si só, é simplório. Aliás, indo no extremo teórico da teoria de Modigliani & Miller (ambos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia), em um mercado perfeitamente eficiente, a política de distribuição de dividendos é irrelevante e não serve para distinguir boas empresas de empresas ineficientes. Mas, claro, esse é um exemplo de teoria extrema, com premissas longe de serem verdadeiras (“mercado perfeitamente eficiente”), mas na Ciência, exemplos extremos servem par dar nortes e nos fazerem compreender melhor o mundo real.
Na prática, em um mercado ineficiente onde há assimetria de informações (ex. executivos têm mais informações sobre a empresa que nós, investidores), ineficiência executiva (ex. executivos podem tomar decisões equivocadas com o nosso dinheiro) e, claro, impostos, a política de dividendos acaba sendo um fator importantíssimo de sinalização ao mercado investidor. Aliás, há toda uma teoria por detrás disso, chamada precisamente, não por acaso, de Signalling Theory (teoria da sinalização). De acordo com esta importante (e realista) teoria, quando há evidente assimetria de informações, os sinais dados pelas atitudes dos players têm interpretações e consequências. E é justamente isso que faz a política de dividendos ser relevante sim.
Mas note que mesmo a teoria de sinalização não implica em empresas pagadoras de dividendos serem melhores investimentos: depende da situação. Por exemplo, em um mercado em franca expansão e com seus competidores investindo pesadamente para crescer, uma empresa pagar dividendos pode ser interpretado como falta de projetos de investimento e, em consequência, falta de oportunidades de crescimento. Em comparação com o mercado, essa empresa pode se tornar frágil e não competitiva. Neste caso, a sinalização seria ruim e o valor das ações da empresa tenderia a cair. Por outro lado, em um mercado maduro de commodities, por exemplo, o pagamento sustentável e persistente de dividendos pode sinalizar robustez operacional e compromisso com os acionistas, gerando uma sinalização positiva, o que tende a valorizar a companhia.
Bom, dito tudo isso, meu objetivo neste artigo também é compartilhar com vocês que não há apenas dividendos. No Brasil, há os juros sobre capital próprio – JSCP (algo que não existe nos EUA, por exemplo). Os JSCP são, em verdade, dividendos com benefício tributário. Lembro que dividendos são isentos na pessoa física, mas a empresa pagou 34% de impostos (de renda e CSLL). Já os JSCP são isentos no nível corporativo e pagam apenas 15% de impostos na pessoa física: pagar 15% de impostos é melhor que 34% né pessoal? Como (quase) toda renúncia fiscal, há limites legais para este benefício. Com isso, empresas que optam pela tributação pelo lucro real devem sempre privilegiar o pagamento de JSCP no limite legal para apenas depois distribuir dividendos para acionistas pessoas físicas: é o que a Petrobras e tantas outras empresas fazem regularmente, por exemplo.
Mas há uma outra forma de “distribuir” o excesso de lucro em caixa: recomprando ações. Como assim? Venha comigo e explicarei tudo em detalhes. Imagine uma empresa que não tenha dívidas e seus ativos tenham valor de mercado igual a R$ 100 milhões com 10 milhões de ações (essas premissas servem apenas para facilitar a compreensão do exemplo e de forma alguma tiram a generalização do que explicarei). Com isso, cada ação vale R$ 10,00 (resultado da divisão do valor de mercado do patrimônio líquido da empresa pelo número de ações). Imaginemos que a empresa possua R$ 20 milhões para serem distribuídos como dividendos. Com isso, cada investidor recebe R$ 2,00 por ação e esta tende a cair para R$ 8,00 porque agora os ativos da empresa valem os R$ 20 milhões que foram distribuídos a menos (pois este valor saiu da empresa), ou seja, R$ 80 milhões (que divididos pelas 10 milhões de ações resultam em R$ 8,00 por ação). Note que o patrimônio dos acionistas continua sendo R$ 10,00, pois agora eles têm R$ 2,00 no bolso (dividendos recebidos) e uma ação que vale R$ 8,00.
Imagine agora que a empresa resolva recomprar ações com o caixa disponível em vez de distribuí-lo como dividendos. Com isso, ela consegue recomprar 2 milhões de ações, resultado dos R$ 20 milhões disponíveis divididos pelo preço unitário da ação – R$ 10,00. Suponha que José tenha vendido sua ação: seu patrimônio segue em R$ 10,00, mas agora está em dinheiro no seu bolso, pois vendera a ação para a própria empresa. Por sua vez, João resolveu não vender a sua ação: qual o seu patrimônio, representado por uma ação da companhia? Ora, agora a empresa tem ativos que valem R$ 80 milhões (pois R$ 20 milhões de caixa foram gastos recomprando ações), mas há apenas 8 milhões de ações no mercado (pois 2 milhões delas foram recompradas pela empresa). Dessa forma, sua ação continua valendo os mesmos R$ 10,00 (R$ 80 milhões divididos pelas 8 milhões de ações).
Como vimos no nosso exemplo didático, a decisão de recompra de ações por parte de uma empresa, em detrimento de distribuir dividendos, não impacta a riqueza bruta do investidor (falarei sobre a riqueza líquida de impostos mais adiante). Mas, em um mundo com bastante assimetria de informações e problemas de governança corporativa, como já disse, a política pode, sim, impactar o valor da empresa e, consequentemente, o valor da ação. No Brasil, há fortíssima cultura por dividendos, o que acaba por afastar demais a possibilidade de recompra de ações. Entretanto, compartilho com vocês que já fui abordado recentemente por 3 empresas de capital aberto querendo conversar sobre recompra de ações e o argumento é sempre o mesmo: “estamos avaliando porque a nossa ação está muito barata!”
Desta forma, se por um lado o atual cenário econômico-político do nosso país desmotivou totalmente novos IPOs (em 2022, não tivemos nenhum!), por outro lado, pode motivar uma onda de recompra de ações. A recompra de ações é uma clara sinalização para o mercado de que a empresa acredita, de fato, que o valor da ação está barato, o que tende a pressionar o preço da ação para cima. Como no Brasil não é muito frequente a recompra de ações, o mercado tende a interpretar que “a empresa quebrou barreiras para recomprar a sua própria ação e isso só pode ser explicado por um preço extremamente convidativo”.
Mas há outros pontos positivos oriundos da decisão de recompra de ações. A recompra acaba por gerar menor menos expectativas futuras: ao pagar dividendos, investidores criam um padrão de referência de recebimento de dividendos e, se isso for frustrado no futuro, o preço pode ser impactado negativamente. A recompra de ações gera bem menos referências e, portanto, menos expectativas futuras, o que dá aos executivos mais flexibilidade (e menos pressões desnecessárias).
Um outro aspecto interessante da recompra de ações é que ela altera a estrutura de capital da empresa, o que pode gerar valor por dois caminhos diferentes. O primeiro é que abre oportunidade para um aumento da relação dívida / capital próprio em empresas pouco alavancadas (ou seja, com pouca dívida e que, portanto, ainda podem gerar valor com maior nível de endividamento). O segundo caminho de geração de valor se dá quando a empresa ganha robustez e eficiência através de um downsizing (redução de tamanho com consequente diminuição dos seus ativos) e assim maximiza valor ao seu acionista: vejam o caso recente da Petrobras, que se desfez de diversos ativos para poder voltar a gerar valor ao seu acionista. Por fim, ao recomprar ações, tendemos a retirar da base acionista investidores duvidosos com relação à empresa, permanecendo aqueles que acreditam mais veementemente na companhia, o que tende a reduzir a volatilidade futura da ação.
Há ainda uma questão tributária importante que distingue as situações de distribuição de dividendos e recompra de ações. Ao distribuir dividendos, como vimos, o preço da ação tende a cair pelo valor dos dividendos distribuídos por ação. Isso faz com que o ganho de capital (ganhos por valorização da ação) seja reduzido, o que tributariamente é interessante porque o acionista não pagará impostos (na pessoa física) com os dividendos e ainda reduzirá os impostos a pagar com ganhos de capital. Na recompra de ações, isso não acontece.
Para ilustrar isto, suponha que no nosso exemplo didático acima você tenha comprado a ação algum tempo atrás a R$ 8,00. Ao receber os R$ 2,00 por ação de dividendos, esse valor cai limpinho na sua conta, sem nenhum imposto a pagar. E o seu ganho de capital apurado até o momento passa a ser zero, pois o preço da ação voltou aos mesmos R$ 8,00 que você pagou pela ação. Caso a empresa se decida pela recompra das suas ações, o preço da ação não tende a cair, como vimos, e você então manterá um lucro apurado de R$ 2,00 (diferença entre R$ 10,00 e R$ 8,00), que quando realizado será taxado a 15% de imposto de renda. Os executivos de uma companhia sabem disso e a consequência natural é que a geração de valor para o acionista na decisão de recompra de ações precisa ser relevante a ponto de vencer essa desvantagem tributária. Em outras palavras: quando uma empresa se decide pela recompra de suas próprias ações, estas precisam estar não apenas baratas, mas suficientemente baratas para baterem essa e outras questões (ligadas ao não pagamento de dividendos). Por tudo isso, via de regra, o mercado tende a reprecificar a ação para cima quando uma recompra bem justificada é anunciada pela empresa.
Será que realmente veremos uma onda de recompras de ações na nossa bolsa? E você, depois de ler esse texto, aceitará a oferta e venderá as suas? Claro, tudo dependerá do preço ofertado para a recompra e das suas expectativas com relação à empresa. Mas tenha em mente que ao decidir-se pela recompra das suas próprias ações, a empresa estará dando uma clara sinalização ao mercado: “nossa ação está barata”! Será essa sinalização verossímil? Só você e o mercado para dizerem.
Forte e respeitoso abraço em cada um de vocês!