Por: Antonio Penteado Mendonça – Colunista no jornal O Estado de São Paulo, sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e secretário-geral da Academia Paulista de Letras
A crise gerada pela “inconsistência” de vinte bilhões de reais no balanço da Americanas traz uma série de perguntas ainda sem respostas. A primeira é como ninguém percebeu antes o que estava acontecendo. Vinte bilhões de reais não somem do dia para a noite. A empresa tem ações na Bolsa de Valores. Consequentemente, deveria ter uma marcação cerrada sobre seus números, feita em parte pelos auditores externos. Então, a segunda pergunta é porque os auditores externos não perceberam nada, nem apontaram os desvios. E a terceira é qual a responsabilidade da CVM no caso.
O nó é complexo e envolve gente muito grande, então a solução não deve acontecer em vinte minutos. De um lado, uma das maiores varejistas do país, que tem como acionistas os homens mais ricos do país, e, de outro, os maiores bancos, além de fornecedores de todos os tamanhos, de gigantes a pequenas empresas, estas, sim, as realmente ameaçadas.
A Americanas teve seu pedido de recuperação judicial aceito, evitando por seis meses a cobrança de dívidas de um passivo que chega a mais de quarenta bilhões de reais. A medida visa proteger a integridade da empresa, permitindo que ela mantenha suas atividades enquanto busca sanear o déficit, através de um plano de recuperação a ser aprovado pelos credores para, ao final, se tudo der certo, ter sua operação devidamente normalizada. Ela deve apresentar o plano de saneamento e a relação de credores em até dois meses.
De outro lado, o setor de seguros pode estar diante de um dos maiores sinistros de sua história e, com certeza, a carteira de seguro de crédito interno está diante de um problema muito sério. A exposição das seguradoras, segundo gente próxima do assunto, pode variar entre um bilhão e três bilhões de reais, que é um número bem maior do que o faturamento do seguro de crédito interno em 2022.
O seguro de crédito interno protege o segurado contra o não recebimento de seus créditos. De acordo com o clausulado das apólices, a recuperação judicial da Americanas configuraria a ocorrência do sinistro, o que obrigaria as seguradoras a indenizarem os seus segurados de seguro de crédito interno, no tocante a seus créditos com a empresa.
Mas um sinistro dessa natureza e desse porte é mais complexo do que simplesmente dizer que é assim ou assado, então existem variáveis a favor e contra a confirmação da ocorrência do sinistro e que vão, inclusive, além da medida judicial de proteção e garantia de funcionamento da Americanas.
Ainda não está claro o que aconteceu e há a possibilidade de fraude. Seja como for, para efeito do seguro, uma fraude praticada pelos gestores da Americanas não seria excludente de responsabilidade da seguradora. A apólice tem cláusula de exclusão para fraudes cometidas pelo segurado, mas não para as praticadas pelos gestores da devedora, que seria o caso em tela.
Algumas seguradoras já se manifestaram sobre o assunto e nenhuma se furtou de suas reponsabilidades. Agora, é esperar para ver o que vai acontecer.